Terapia Comportamental Dialética (DBT) – Uma Visão Abrangente
A Terapia Comportamental Dialética, mais conhecida pela sigla em inglês DBT, é uma abordagem terapêutica que tem ganhado destaque e reconhecimento no campo da psicologia e psiquiatria. Desenvolvida inicialmente para tratar indivíduos com comportamentos autodestrutivos e transtorno de personalidade borderline, a DBT se expandiu e hoje é aplicada em uma variedade de contextos clínicos.
1. Visão geral da DBT
A DBT é uma forma de terapia cognitivo-comportamental que combina princípios tradicionais de terapias cognitovo e comportamentais com conceitos de aceitação e mindfulness. Ela foi criada pela Dra. Marsha Linehan na década de 1980, com o objetivo de ajudar pacientes que apresentavam comportamentos suicidas e não respondiam bem às terapias tradicionais. A abordagem se destaca por sua ênfase no equilíbrio entre aceitação e mudança, ajudando os pacientes a desenvolverem habilidades para lidar com emoções intensas e melhorarem seus relacionamentos.
2. A Desregulação Emocional e a Teoria Biossocial da DBT
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) foi concebida inicialmente para tratar indivíduos com elevadas tendências suicidas e, posteriormente, para aqueles que satisfazem os critérios para TPB. Para um tratamento eficaz, é essencial uma teoria coerente. A teoria biossocial da DBT foi desenvolvida com três critérios em mente: orientar a implementação do tratamento, gerar compaixão e embasá-la em dados de pesquisas científicas. Esta teoria postula que tanto o suicídio quanto o TPB são transtornos da desregulação emocional.
Desregulação Emocional e Seus Efeitos
A desregulação emocional é vista em indivíduos com TPB como uma instabilidade na regulação das emoções, controle de impulsos, relacionamento interpessoal e autoimagem. Essa desregulação também está associada a outros problemas de saúde mental.
Principais consequências da desregulação emocional:
- Instabilidade na regulação das emoções.
- Dificuldade no controle de impulsos.
- Problemas no relacionamento interpessoal.
- Distúrbios na autoimagem.
- Associação com transtornos relacionados ao uso de substâncias e transtornos alimentares.
- Padrões comportamentais destrutivos.
Vulnerabilidades Biológicas
A dimensão “bio” da teoria biossocial refere-se às predisposições biológicas para a desregulação emocional. Isso inclui hereditariedade, fatores intrauterinos e danos físicos ao cérebro. Crianças com risco de desregulação emocional global tendem a apresentar baixo controle com esforço e alta emocionalidade negativa.
Ambiente de Cuidados e Invalidação
A dimensão “social” da teoria biossocial destaca a influência do ambiente. Ambientes invalidantes, que podem ser tanto o ambiente familiar mais próximo quanto outros ambientes que a criança entra em contato ao longo da vida, como escolas e outras instituições, frequentemente desconsideram ou minimizam as emoções e experiências de uma pessoa. Isso pode intensificar as emoções, pois a pessoa sente a necessidade de expressar-se mais veementemente para ser ouvida. Em contraste, ambientes validantes promovem uma regulação emocional mais adaptativa.
Ambientes invalidantes são caracterizados por responder de forma errática e inadequada a experiências privadas, como emoções e crenças. Isso pode levar a uma intensificação das emoções e reforçar padrões de desregulação emocional. Esses ambientes também tendem a restringir a expressão de emoções negativas e a punir a expressão emocional.
Trauma e Desregulação Emocional
Muitos indivíduos com TPB relatam experiências traumáticas na infância e continuam a enfrentar traumas na vida adulta. No entanto, ainda não está claro se o trauma por si só contribui para o desenvolvimento do TPB ou se ambos, trauma e TPB, são resultados de um ambiente familiar disfuncional e invalidante.
3. Níveis de Transtorno e Estágios, Objetivos e Alvos do Tratamento na DBT
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é meticulosamente estruturada para atender às necessidades variadas dos pacientes, reconhecendo que cada indivíduo apresenta desafios e circunstâncias únicas. A abordagem da DBT é segmentada em diferentes estágios, cada um com objetivos e alvos específicos.
Pré-tratamento: Esta fase inicial é fundamental para estabelecer a base do tratamento. Envolve um compromisso explícito e colaborativo entre o paciente e o terapeuta sobre as metas e métodos essenciais do tratamento. Embora um contrato escrito não seja mandatório, é crucial que haja um entendimento verbal mútuo sobre as expectativas e responsabilidades de ambas as partes.
Estágio 1: O foco deste estágio é abordar os comportamentos mais severos e desestabilizadores do paciente. O objetivo é alcançar um controle comportamental básico e estabelecer uma conexão suficiente com o tratamento. As prioridades são estabelecidas da seguinte forma:
- Comportamentos que ameaçam a vida, como tentativas de suicídio.
- Comportamentos que interferem no tratamento, seja por parte do paciente ou do terapeuta.
- Comportamentos que comprometem gravemente a qualidade de vida do paciente, como problemas interpessoais, legais ou de saúde.
- Déficits nas habilidades comportamentais necessárias para implementar mudanças na vida.
Estágio 2: Uma vez que o paciente tenha alcançado um certo grau de controle comportamental, o Estágio 2 se concentra em ajudar o paciente a experimentar emoções sem trauma e a reconectar-se com seu ambiente. Muitos pacientes, apesar de terem controlado comportamentos extremos, ainda enfrentam emoções intensas ou traumas passados que os isolam de conexões significativas.
Estágio 3: Neste estágio, o paciente trabalha para integrar o que aprendeu e para resolver problemas da vida cotidiana. O foco se desloca para o desenvolvimento do autorrespeito, autoeficácia e uma qualidade de vida aceitável.
Estágio 4: Alguns pacientes, mesmo após resolverem problemas cotidianos, sentem um vazio ou sensação de incompletude. Este estágio é dedicado a abordar esses sentimentos, muitas vezes explorando questões espirituais ou existenciais para alcançar a liberdade, alegria ou realização espiritual.
É importante ressaltar que, embora os estágios sejam delineados de forma sequencial, o progresso terapêutico pode não ser linear. Os pacientes podem necessitar revisitar estágios anteriores ou abordar questões de múltiplos estágios simultaneamente. Além disso, a DBT é estruturada de forma que diferentes profissionais desempenham papéis específicos, garantindo uma abordagem integrada ao tratamento.
4. Estrutura e Modos da Terapia Comportamental Dialética (DBT)
A DBT foi desenvolvida inicialmente para pacientes de alto risco, que apresentavam desregulação emocional global grave e múltiplos diagnósticos. Dada a complexidade dos problemas clínicos desses pacientes, tornou-se evidente desde o início que a terapia deveria ser flexível. Em vez de adotar um protocolo rígido, a DBT foi fundamentada em princípios, permitindo adaptações conforme as necessidades individuais dos pacientes. Para equilibrar essa flexibilidade com uma estrutura clara, a DBT foi modelada como uma intervenção modular.
Funções do Tratamento
A DBT define claramente suas funções de tratamento, que são:
- Aprimoramento da Capacidade do Paciente: Isso envolve o aumento do comportamento habilidoso do indivíduo.
- Motivação do Paciente: O objetivo é melhorar e manter a motivação do paciente para mudar e se engajar no tratamento.
- Generalização da Mudança: Garante que as mudanças alcançadas durante o tratamento sejam aplicadas em diferentes contextos da vida do paciente.
- Motivação do Terapeuta: Visa aumentar a motivação do terapeuta para fornecer um tratamento eficaz.
- Reestruturação Ambiental: Auxilia o paciente a modificar ou adaptar seu ambiente para sustentar e reforçar o progresso alcançado, movendo-se em direção às metas estabelecidas.
Modos de Tratamento
Para cumprir eficazmente as funções acima, a DBT é administrada em diversos modos:
- Terapia Individual ou Manejo de Casos: Foco no atendimento individualizado, abordando as necessidades específicas do paciente.
- Treinamento de Habilidades: Pode ser realizado em grupo ou individualmente, ensinando ao paciente habilidades específicas para lidar com suas emoções e comportamentos.
- Coaching de Habilidades Entre Sessões: Fornece suporte ao paciente fora das sessões de terapia, ajudando-o a aplicar as habilidades aprendidas em situações da vida real.
- Equipe de Consultoria de Terapeutas: Uma equipe de profissionais que se reúne regularmente para discutir casos, compartilhar insights e garantir a eficácia do tratamento.
Cada modo de tratamento tem objetivos específicos e estratégias distintas para alcançá-los. O que é crucial não é o modo em si, mas sua capacidade de atender a uma função específica. Por exemplo, a generalização de novas habilidades pode ser alcançada através de diferentes abordagens, dependendo do contexto. O terapeuta individual, que é sempre o principal terapeuta na DBT padrão, trabalha em conjunto com o paciente para garantir que todas as funções do tratamento sejam atendidas.
5. Treinamento de Habilidades na Terapia Comportamental Dialética (DBT)
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é uma abordagem terapêutica multifacetada que se destaca, entre outras características, pelo seu módulo de treinamento de habilidades. Este módulo é essencial para aprimorar competências em áreas onde muitos indivíduos com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) apresentam déficits comportamentais.
Estrutura e Duração do Treinamento: A DBT padrão dedica sessões semanais, com duração aproximada de duas horas, ao treinamento de habilidades. Este treinamento é estruturado em quatro módulos, abrangendo um período de cerca de seis meses. Assim, permite-se que todas as habilidades sejam abordadas duas vezes em um contexto ambulatorial padrão.
Recursos e Materiais: Os manuais escritos pela Linehan sob o nome de “Treinamento de Habilidades em DBT – Manual de Terapia Comportamental Dialética” para o Terapeuta e para o Paciente (2 manuais distintos e complementares) servem como um guia abrangente para terapeutas. Este manual oferece instruções detalhadas sobre como ensinar e praticar habilidades em DBT, além de fornecer uma variedade de fichas instrutivas e tarefas de casa para os pacientes.
Módulos de Treinamento:
- Regulação Emocional: Este módulo ensina estratégias comportamentais e cognitivas para controlar e reduzir respostas emocionais indesejadas. Ele foca em identificar e descrever emoções, enfrentar emoções negativas, intensificar emoções positivas e alterar emoções aversivas.
- Tolerância ao Mal-Estar: Aqui, os pacientes aprendem técnicas para controlar impulsos e autoacalmar-se, permitindo-lhes enfrentar crises sem recorrer a comportamentos disfuncionais, como uso de drogas ou tentativas de suicídio.
- Eficácia Interpessoal: Este módulo ensina habilidades de assertividade, permitindo aos pacientes alcançar objetivos enquanto mantêm relacionamentos saudáveis e autorrespeito.
- Mindfulness: As habilidades ensinadas neste módulo incluem focar a atenção na observação, descrição, participação, postura não julgadora, execução de uma tarefa por vez e foco na eficácia.
Generalização de Habilidades: enquanto o treinamento e fortalecimento de habilidades são conduzidos principalmente em grupos, o terapeuta individual desempenha um papel crucial em ajudar os pacientes a aplicar essas habilidades em todos os contextos relevantes de suas vidas.A DBT coloca uma ênfase particular na generalização, garantindo que as habilidades aprendidas sejam aplicadas em diversos contextos da vida diária. Para facilitar essa generalização, uma das alternativas é utilizar o coaching telefônico.
6. Coaching Telefônico na Terapia Comportamental Dialética (DBT)
O coaching telefônico é uma ferramenta essencial na Terapia Comportamental Dialética (DBT). Esta modalidade de interação tem funções específicas, dependendo de se a ligação é direcionada ao terapeuta primário ou a um terapeuta auxiliar.
1. Funções das Ligações ao Terapeuta Primário:
Intervenção em Comportamentos de Crise Suicida: A principal prioridade das ligações é avaliar e intervir em situações de risco suicida. O foco é avaliar o risco e empregar uma abordagem de solução de problemas para identificar comportamentos alternativos.
Generalização de Habilidades: Uma das principais razões para encorajar ligações telefônicas é ajudar os pacientes a aplicar as habilidades aprendidas na DBT em situações da vida real. Durante essas ligações, o terapeuta frequentemente questiona: “Que habilidades você poderia usar neste momento?”, incentivando o paciente a aplicar habilidades específicas à situação atual.
Resolução de Crises Interpessoais: Quando surgem conflitos ou crises interpessoais, especialmente em relação ao terapeuta, as ligações telefônicas oferecem uma oportunidade para fortalecer os vínculos interpessoais e abordar sentimentos de alienação ou distância. O objetivo é diminuir a sensação de alienação ou distância do paciente em relação ao terapeuta.
2. Hierarquia de Metas para Ligações Telefônicas:
A hierarquia de metas que organiza a DBT como um todo também se aplica para os contatos por telefone. Aqui a hierarquia se aplica da seguinte maneira:
Diminuição dos Comportamentos de Crise Suicida: A segurança do paciente é sempre a prioridade máxima.
Aplicação de Habilidades à Vida Cotidiana: O terapeuta ajuda o paciente a lembrar e aplicar habilidades específicas para lidar com situações atuais.
Resolução de Crises Interpessoais: Abordar sentimentos de alienação, raiva ou distância em relação ao terapeuta.
3. Considerações Adicionais:
Frequência e Duração: No início da terapia, as interações telefônicas podem ser frequentes e de duração mais longa. No entanto, à medida que a terapia avança e a confiança no relacionamento se fortalece, espera-se que a frequência e a duração das ligações diminuam.
Limites: É essencial que o terapeuta estabeleça e mantenha limites claros para evitar o esgotamento e garantir que o coaching telefônico seja eficaz e benéfico para o paciente.
Em resumo, o coaching telefônico na DBT desempenha um papel crucial em complementar a terapia presencial, permitindo intervenções imediatas em situações de crise, reforçando a aplicação de habilidades e fortalecendo o relacionamento terapêutico.
7. Equipe de Consultoria em DBT (Terapia Comportamental Dialética)
A Terapia Comportamental Dialética (DBT) reconhece a importância crucial de uma abordagem coletiva no tratamento. Esta perspectiva coletiva, inicialmente adotada para garantir a aderência ao protocolo terapêutico, revelou-se um pilar fundamental para a eficácia do tratamento.
Ao lidar com pacientes de alto risco e com desafios emocionais intensos, os terapeutas, por vezes, enfrentam desafios emocionais próprios. O medo do risco de suicídio, a sobrecarga emocional ao lidar com comportamentos interpessoais desafiadores e até mesmo questões pessoais podem influenciar a abordagem terapêutica. Neste contexto, a presença de uma equipe coesa e colaborativa torna-se vital.
A equipe de DBT não só oferece suporte emocional e técnico entre seus membros, mas também serve como um mecanismo de verificação e equilíbrio, garantindo que os profissionais mantenham a integridade e a eficácia do tratamento. Esta abordagem coletiva assegura que os terapeutas permaneçam alinhados ao método proposto, evitando desvios inadvertidos que possam comprometer o tratamento.
De forma resumida é importante lembrar que a equipe de DBT não é apenas um complemento ao tratamento, mas sim uma parte integrante e essencial do processo terapêutico, garantindo que o tratamento seja aplicado da forma mais eficaz e benéfica possível para o paciente.
FAQ – Perguntas Frequentes:
- O que é Terapia Comportamental Dialética (DBT)? R: A DBT é uma forma de terapia cognitivo-comportamental que combina princípios tradicionais de terapias cognitivas e comportamentais com conceitos de aceitação e mindfulness. Foi desenvolvida para tratar indivíduos com comportamentos autodestrutivos e transtorno de personalidade borderline.
- Como a DBT difere da TCC tradicional? R: Enquanto a TCC se concentra na identificação e modificação de pensamentos e comportamentos “negativos” ou “desadaptativos”, a DBT adiciona uma camada de aceitação e técnicas de regulação emocional. A DBT também enfatiza o equilíbrio entre aceitação e mudança.
- Para quem a DBT é indicada? R: Inicialmente, a DBT foi desenvolvida para tratar indivíduos com comportamentos suicidas e transtorno de personalidade borderline. No entanto, sua aplicação se expandiu e agora é usada em diversos contextos clínicos, principalmente para pessoas que apresentem o quadro de desregulação emocional.
- O que é a teoria biossocial da DBT? R: A teoria biossocial postula que o suicídio e o TPB são transtornos da desregulação emocional, influenciados tanto por vulnerabilidades biológicas quanto por ambientes invalidantes.
- Como a DBT é estruturada? R: A DBT é segmentada em diferentes estágios, cada um com objetivos e alvos específicos. Além disso, possui diferentes modos de tratamento, como terapia individual, treinamento de habilidades, coaching entre sessões e uma equipe de consultoria de terapeutas.
- O que é coaching telefônico na DBT? R: O coaching telefônico é uma ferramenta na DBT que permite intervenções imediatas em situações de crise, reforça a aplicação de habilidades e fortalece o relacionamento terapêutico.
- Como as habilidades de mindfulness são integradas à DBT? R: O mindfulness é um componente central da DBT, ajudando os pacientes a se tornarem mais conscientes de seus pensamentos, sentimentos e comportamentos no momento presente.
- Qual é a importância da equipe de consultoria em DBT? R: A equipe de DBT oferece suporte emocional e técnico entre seus membros, garantindo que os profissionais mantenham a integridade e a eficácia do tratamento. Ela é essencial para assegurar que o tratamento seja aplicado da forma mais eficaz e benéfica possível para o paciente.
- Existem recursos ou manuais recomendados para profissionais interessados em aprender mais sobre DBT? R: Sim, existem diversos livros já traduzidos para o português, como o Manual original e os manuais do treino de habilidades escritos pela criadora da DBT, Marsha Linehan. Além disso, existem outras obras de outras autoras importantes já traduzidas, além de cursos para formação em DBT.